O militar inativo (integrante da reserva remunerada ou reformado) não comete todos os delitos trazidos pela Parte Especial do Código Penal Militar, não podendo figurar como sujeito ativo de crimes militares que possuam a palavra “militar” em seu tipo penal.
Todavia, em certos casos, em nome de uma tutela penal da disciplina e da hierarquia, o legislador houve por bem equiparar militares inativos a militares da ativa, fazendo-o no art. 12 do Código Penal Castrense, que assim dispõe:
Art. 12. O militar da reserva ou reformado, empregado na administração militar, equipara-se ao militar em situação de atividade, para o efeito da aplicação da lei penal militar.
Dessa forma, podemos dizer que, ao lado do caso de comunicação de elementares do crime no concurso de pessoas, prevista na segunda parte do § 1º do art. 53 do CPM, o art. 12 permite que os inativos respondam por crimes militares como se da ativa fossem, desde que esteja sendo empregado na administração militar.
Assim, quando o militar inativo estiver empregado na administração militar de forma regular, ou seja, por força de ato da instituição militar respectiva, poderá ele perpetrar os crimes que tenham por elemento típico a palavra “militar”, visto que equiparados a ele.
Como exemplo, no âmbito federal, tem-se os militares da reserva remunerada e, excepcionalmente, os reformados que executam tarefa por tempo certo – atividade conhecida como Prestação de Tarefa por Tempo Certo (PTTC) –, regularmente empregados na administração militar federal, de acordo com a regulamentação de cada Força Armada. Há uma antinomia entre o disposto no art. 12 do CPM, aqui em comento, e a Lei n. 6.880/80 (Estatuto dos Militares), que em seu inciso III da letra b do § 1º do art. 3º, embora permita essa aplicação de PTTC, considera esses militares como na inatividade. Entendemos prevalecer, neste caso, o Código Penal Militar, posto que a feição administrativa trazida pelo Estatuto dos Militares presta-se a fins específicos, como impossibilidade de assunção de algumas funções, concorrência de alguns serviços etc., mas, para fins penais militares, são esses militares da reserva ou reformados empregados na administração militar.
Frise-se que a equiparação se dá para fins penais militares, ou seja, para a configuração do crime militar tendo-os na sujeição ativa ou passiva e não para fins processuais penais militares, como já rechaçamos, em outra ocasião, a possibilidade de, por exemplo, este militar inativo conduzir inquérito policial militar[1].
No âmbito das Unidades Federativas, igualmente, é possível ocorrer essa situação, como em casos em que militares inativos são empregados para reforçar o serviço policial-militar em específicas tarefas, como a de segurança de prédios da instituição, ou em funções administrativas, como é possível na Polícia Militar do Estado de São Paulo, por previsão do art. 26-A do Decreto-lei n. 260, de 29 de maio de 1970, acrescido pela Lei Complementar n. 1.305, de 20 de setembro de 2017
Deve-se fazer, também aqui, alguns alertas para que o concursando não incorra em equívoco.
Em primeiro lugar, esse emprego na administração militar deve ser direto, não abrangendo, por exemplo, o militar reformado que, empregado de uma empresa contratada pela instituição militar, presta algum serviço no interior do quartel, já que não foi a Administração Militar que o convocou diretamente, e sim a empresa responsável pelo serviço terceirizado.
Esse emprego, ademais, deve ser restrito aos casos em que o militar inativo está cumprindo o seu dever, atendendo ao chamado da Administração Militar, não se estendendo, portanto, a casos em que o inativo busca o retorno à vida de caserna esponte própria, como o caso do Oficial da reserva remunerada que pleiteia vaga de docente nas Escolas de Formação Militar, aceito por sua notável experiência.
Não se pode confundir a previsão do art. 12 do CPM com aquela plasmada no art. 13, do mesmo diploma. Naquela a equiparação ocorre antes do cometimento do crime militar, ou seja, há a equiparação a militar da ativa para o cometimento do crime militar. Nesta a equiparação se dá em momento posterior, após a ocorrência do crime militar, não importando se o inativo foi autor ou vítima do delito. In exemplis, se um Oficial da reserva for preso em flagrante por um crime militar, tendo-o cometido na condição de inativo mesmo ou equiparado a militar da ativa, deverá ser conduzido à presença da autoridade de polícia judiciária militar por Oficial de hierarquia superior ou mais antigo, já que na inatividade mantém a prerrogativa do art. 73 do Código de Processo Penal Militar.
Outra situação que se destaca é a reversão de militares da reserva ao serviço ativo, que não se confunde com inativo (da reserva remunerada ou reformado) sendo empregado na administração militar, como dispõe o art. 12 do CPM.
Neste artigo, o militar, administrativamente, continua na condição de inativo (reserva remunerada ou reformado), mas é empregado em alguma atividade regular da Administração Militar, equiparando-se a militar da ativa. No caso distinto da reversão ao serviço ativo, militares da reserva remunerada – somente eles e é justamente por isso que estão na “reserva” – são revertidos ao serviço ativo, ou seja, retornam à atividade, enquadrados, portanto, no art. 22 do CPM e não neste art. 12 do mesmo Código. Essa situação, por exemplo, ocorreu no Estado do Ceará, por força da Lei n. 16.827, de 13 de janeiro de 2019, que autorizou o Poder Executivo, nos termos do art. 184 da Lei n. 13.729, de 11 de janeiro de 2006 (Estatuto dos Militares Estaduais do Ceará), a convocar militares inativos, revertendo-os à atividade.
Por fim, e aproveitando a discussão acima, deve-se ter em mente que o dispositivo em comento trata apenas do militar inativo equiparado a militar da ativa para fins de cometimento de crime militar, passando ao largo de uma vedação para que o inativo cometa crime militar na condição mesma de inativo, isso se observados os elementos do inciso III do art. 9º do CPM. Dessa forma, o inativo enquadrado no art. 12 do CPM poderá, perfeitamente, praticar o delito do art. 137 do CPM, restrito a militares da ativa, segundo inteligência do art. 22, ocasião em que terá a complementação da tipicidade pelo inciso I do art. 9º do CPM; mas também poderá perfeitamente praticar um homicídio, crime militar, na condição de inativo, desde que o fato encontre, além da Parte Especial, subsunção nos elementos da Parte Geral, grafados no inciso III do art. 9º, também do CPM.
[1] NEVES, Cícero Robson Coimbra. Manual de direito processual penal militar. Salvador: Jus Podivm, 2020, 5ª ed., p. 281.
Promotor de Justiça Militar na Procuradoria de Justiça Militar de Santa Maria/RS e professor de Direito Penal Militar e Direito Processual Penal Militar.