A realização de horas extras gera indubitavelmente uma renda extra ao empregado, sobretudo diante do pagamento superior derivado do adicional respectivo, em observância do art. 7º, XVI, da Constituição Federal:
“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
XVI – remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal;”
Esse rendimento extra acaba sendo incorporado ao padrão de vida do trabalhador, que se adapta ao novo valor remuneratório. Recebendo mais, é natural que os gastos pessoais sejam maiores. Logo, quando o empregador elimina a prestação de horas extras, a estabilidade financeira do empregado é abalada.
De fato, não se questiona que o empregador pode não ter mais necessidade de trabalho extra, mas se debate os efeitos que sua paralisação provoca na vida financeira do empregado.
O Tribunal Superior do Trabalho, ciente dessa circunstância, entendeu que é devida uma indenização pela supressão das horas extras habituais e apontou uma forma de cálculo, conforme se constata na Súmula 291:
“HORAS EXTRAS. HABITUALIDADE. SUPRESSÃO. INDENIZAÇÃO – Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011
A supressão total ou parcial, pelo empregador, de serviço suplementar prestado com habitualidade, durante pelo menos 1 (um) ano, assegura ao empregado o direito à indenização correspondente ao valor de 1 (um) mês das horas suprimidas, total ou parcialmente, para cada ano ou fração igual ou superior a seis meses de prestação de serviço acima da jornada normal. O cálculo observará a média das horas suplementares nos últimos 12 (doze) meses anteriores à mudança, multiplicada pelo valor da hora extra do dia da supressão.”
Como se nota, ainda que se trate de supressão parcial, haverá esse direito à indenização pelas horas reduzidas, porquanto houve redução do padrão remuneratório.
Ocorre que, muitas vezes, a quantidade de horas extras prestadas diariamente é superior aos limites legalmente estabelecidos. Nestes casos, a fiscalização do trabalho autua o empregador infrator.
Ademais, o Ministério Público do Trabalho, ao ficar ciente dessas irregularidades, toma providências que abrangem abertura de inquérito civil, formalização de termos de ajustamento de conduta, ajuizamento de ação civil pública etc.
Neste contexto, o empregador ajusta sua conduta, colocando a jornada dentro dos limites legais de horas extras. Todavia, surge uma ponto intrigante: essa adequação afeta a renda do empregado, que termina tendo as horas extras habituais reduzidas da mesma forma, ainda que seja para haver o cumprimento da lei.
Como consequência, o trabalhador propõe ação trabalhista pedindo a mencionada indenização, ao passo que o empregador se defende alegando que somente cumpriu uma determinação do Ministério Público do Trabalho.
Nesse ínterim, o Tribunal Superior do Trabalho não aceita esse argumento defensivo, porquanto, independentemente da origem da determinação e a finalidade dela, a estabilidade financeira do empregado continua sendo atingida. Logo, é devida a indenização. Observe esse julgado sobre o tema:
“HORAS EXTRAS. HABITUALIDADE. SUPRESSÃO PARCIAL. INDENIZAÇÃO. Há jurisprudência uniforme no âmbito desta Subseção a corroborar a tese firmada no acórdão turmário de que, reconhecida a supressão das horas extras prestadas com habitualidade, aplica-se a diretriz jurisprudencial preconizada na Súmula 291 do TST, não fazendo diferença o fato de a supressão das horas extras ter sido proveniente de determinação do Ministério Público do Trabalho. De igual modo, o aumento salarial oriundo do Plano de Cargos e Salários, por ter natureza diversa, não impede o recebimento da referida indenização. Decisão agravada que se mantém. Agravo conhecido e não provido” (Ag-E-Ag-ARR-937-38.2015.5.02.0443, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Augusto Cesar Leite de Carvalho, DEJT 12/03/2021).
Além disso, ainda que se trate de redução para cumprimento de determinação judicial, a lógica permanece a mesma, sendo devida a indenização:
“SUPRESSÃO DAS HORAS EXTRAS HABITUAIS. DETERMINAÇÃO JUDICIAL. INDENIZAÇÃO PREVISTA NA SÚMULA Nº 291 DO TST. (…) O pressuposto para a concessão da referida indenização é a habitualidade na prestação do serviço extraordinário, que tem que ter sido realizado por pelo menos um ano. Com efeito, a situação retratada nestes autos se amolda perfeitamente aos termos da referida súmula, haja vista que, em função da alteração de turno da reclamante, deixou de perceber a remuneração equivalente às horas suprimidas, ainda que essa supressão tenha ocorrido por decisão judicial. É inegável que com a alteração a reclamante experimentou repercussão negativa em seu salário, sendo-lhe devida a indenização prevista na Súmula nº 291 desta Corte, como forma de compensação financeira independentemente de as horas extras terem sido suprimidas por decisão judicial, é esse o entendimento que prevalece nesta Corte superior. Precedentes. Recurso de revista não conhecido” (RR-10749-10.2017.5.03.0087, 2ª Turma, Relator Ministro Jose Roberto Freire Pimenta, DEJT 06/11/2020).
Juiz do Trabalho. Professor de Direto do Trabalho, Direito Processual do Trabalho e Direito Administrativo.